sábado, 27 de julho de 2024

Poder e cobiça escondidos nas calças

 

Difícil escrever sobre Marco Polo. Todas as palavras que eu possa vir a usar ficam pequenas diante do que o navegante veneziano representa na história da nossa civilização e do que, pessoalmente, ele significa para mim. Ao contrário do que muitos ainda acreditam, Marco não foi um personagem retratado na bela minissérie da Netflix. Foi um homem real, que viveu no fim da Idade Média entre os anos de 1.254 e 1.324. Suas aventuras me prendem desde a infância e ainda hoje a leitura sobre ele é um prazer, e escrever sobre ele (arrisco imaginar algumas de suas viagens) é um exercício de felicidade.

 

Marco saiu de Veneza, sua terra natal, aos 17 anos para ganhar o mundo e se tornar não só um grande estadista e homem de negócios, como mais ainda, um contador de estórias fantásticas sobre um mundo ainda mais fantástico, desconhecido da Europa do seu tempo.

 

Conheceu vários povos, falou várias línguas, viu grandes coisas. Ficou rico.

 

Depois de 24 anos viajando, retorna a Veneza, e reza a lenda que se apresentou aos seus familiares trajando roupas de mendigo, enquanto seus navios repletos de tesouros estavam no porto. Queria testá-los.

 

Conversa vai, conversa vem, rasga suas roupas, fazendo cair das costuras e dos bolsos grande quantidade de pedras preciosas e joias de um valor inestimável: rubis, safiras, granadas, diamantes e esmeraldas, situação que imediatamente faz com que sua família lhe devote sinais de grande estima e respeito e a sociedade o trate como um nobre.

 

Enquanto Marco Polo trazia pedras preciosas escondidas nas calças, um consumidor de Brasília traz uma estória terrível escondida nas suas.

 

O homem, de 54 anos, procurou a empresa Boston Medical Group para solucionar problemas de disfunção erétil, sendo-lhe garantido o êxito do tratamento. Tendo apresentado complicações já nas 24 horas iniciais (dores, início de hemorragia e ereção contínua), ligou para a clínica e foi orientado a colocar gelo no local e aguardar mais 48 horas.

 

Apesar de seguir as orientações, o quadro só piorou. Nenhuma das medidas adotadas surtiu efeito. Ao contrário, a hemorragia abundou e a inflamação se espalhou para a região escrotal. Diante da gravidade da situação, foi encaminhado ao Hospital de Base, onde permaneceu internado por meses a fio. Ao final, foi submetido a procedimento cirúrgico para colocação de prótese, que também não logrou êxito, causando-lhe impotência total e definitiva.

 

O que ele fez? Entrou com ação na justiça, é claro!!!

 

A juíza da 6ª Vara Cível de Brasília condenou a empresa a pagar indenização de 250 mil reais a título de danos morais pela impotência causada ao paciente, valor que está sendo reavaliado pelo tribunal do Distrito Federal.

 

Corroborou para a decisão da juíza o fato de que o médico que atendeu o paciente teve cassado seu direito ao exercício profissional pelo CREMEGO, estando ainda sujeito a recurso ao CFM.

Ao final da sua decisão, a julgadora anotou que “o dano moral decorreu não só da perda de uma chance causada ao autor que ficou impedido de melhorar sua disfunção erétil como também por ter causado ao mesmo a total e definitiva impotência sexual, além de todo o sofrimento físico e psicológico que vivenciou. (…) Indiscutivelmente o autor, que à época tinha apenas 54 anos, ficou com graves sequelas psicológicas e sofreu perda inestimável para a vida e autoestima de um homem”. A fim de preservar a intimidade do autor, os autos seguem em segredo de justiça.

 

Moral da estória: cada um carrega o que pode dentro das calças; e não se engane, o que é ruim pode ficar ainda pior.

 

Ilustração: viagemempauta.com.br/

Avatar

Este post foi escrito por: Renata Abalém

As opiniões emitidas nos textos dos colaboradores não refletem necessariamente, a opinião da revista eletrônica.

Deixe uma resposta