sábado, 27 de julho de 2024

Pôr do sol no lago da beleza poluída e a lasanha de pimentão

 

Marcio Fernandes – A viagem de 155 quilômetros entre La Paz e Copacabana foi tranquila, apesar do ônibus convencional merecer uma assepsia demorada e boa. Já a saída da cidade foi muito tumultuada após 30 minutos de viagem.

 

Em um trecho da autopista, no padrão boliviano, moradores de El Alto e povoados ocupavam uma faixa de rolamento em protesto por investimentos do governo federal em infraestrutura.

 

O presidente, Luiz Arce prometeu o recurso, mas ficou no discurso. O que não faltam nas estradas da Bolívia são placas autopromocionais de Arce, que só falta o bigode para parecer um político mexicano.

 

Era muita gente de todas classes sociais,  inclusive bastante indígenas, camponeses, funcionários públicos e militantes profissionais etc. Quem estava na faixa bloqueada invadiu uma parte da outra pista e a situação virou uma coisa de outro mundo com engarrafamento regado a buzina.

 

 

Nestas horas, o boliviano se vira com o que tem porque sabe que as forças de segurança do País têm a função primordial de dar golpe de Estado e não se envolvem em organizar bagunça localizada de tráfego

 

Depois, o trânsito fluiu e a estrada cortou uma vasta pradaria destinada à pastagem de gado. Logo a leste, por longa distância, se avista o perfil nevado de Alto Peñas na Cordilheira Real dos Andes. Um pouco mais adiante, a oeste, começa visão do Lago Titicaca.

 

De La Paz a Titiquila são três horas de viagem. Lá, o ônibus é embarcado em balsa inacreditavelmente temerária para atravessar um estreito no Titicaca. A passagem é rápida e permite se ter uma percepção dos 8,3 mil km² da área do maior lago da América do Sul. A superfície é de um azul profundo e altas montanhas cercam a lâmina d’água gelada.

 

A Copacabana da Bolívia tem esse nome antes de existir a Copacabana da Baía da Guanabara. Por outro lado, a enseada da boliviana é de chorar de tristeza se comparada à carioca. A cidade tem alguma estrutura para servir de conexão imediata para quem vai para as ilhas do Titicaca ou noite de pouso aos que se destinam a Puno, Peru.

 

A cidade tem muitas hospedagens com a classificação 4 estrelas no ranking das espeluncas e alguns restaurantes longe de serem considerados razoáveis. Entendo de comida, mas não sei nada de culinária. Acho que os bolivianos deveriam se dedicar a oferecer a cozinha local bem-feita.

 

Os caras partem para imitar a gastronomia italiana, espanhola, francesa e até o junk food americano e o resultado é desastroso. Eu pedi uma lasanha vegetariana e o conteúdo debaixo do queijo era majoritariamente pimentão. Na primeira vez na vida em que provo algo vegetariano, o cara me serve lasanha de pimentão. É para desistir mesmo.

 

Todo o esgoto doméstico gerado pelos 15 mil habitantes de Copacabana são despejados diretamente nas águas do Titicaca. Entre os píeres rústicos e precários do porto da cidade é onde se concentra o maior volume do esgoto. Portanto, a dica é se hospedar na parte alta de Copacabana. Nada de pé na areia.

 

O Lago Titicaca, tanto em território boliviano quanto peruano é abastecido por rejeitos doméstico, industrial, hospitalar, de mineração, além de pesticidas e fertilizantes usados na atividade primária. Nada que assuste o Brasil, que tem população de 105 milhões sem coleta e tratamento de esgoto.

 

 

Os governos da Bolívia e do Peru têm desde 2016 um acordo despoluir o Titicaca. O problema maior é tratar os 27 tributários que deságuam no lago. As universidades bilaterais estão com estudo pronto para fazer a coisa acontecer. A obra está orçada em 600 milhões de dólares. É troco de padaria perto da roubalheira brasileira.

 

A Bolívia é muito parecida com o Brasil em vários aspectos. Nas ruas, não faltam farmácia, dentista e cartório. Por outro lado, enquanto o Brasil tem o SUS e uma rede privada grande, por aqui é muito difícil de se ver ou encontrar uma unidade de saúde.

 

Copacabana tem um pôr do sol privilegiado que eu vou levar para casa ao me despedir da Bolívia. É uma pena que seja uma beleza poluída. E não precisava da lasanha vegetariana de pimentão.

 

Fotografia e texto: Marcio Fernandes

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Este post foi escrito por: Marcio Fernandes

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2 comentários em "Pôr do sol no lago da beleza poluída e a lasanha de pimentão"

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