sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Relatos da cruzada do Cavaleiro Templário

 

O engenheiro civil Irapuan Costa Júnior, 86 anos, teve uma trajetória política extensa e de muito êxito. Foi prefeito de Anápolis (GO), governador de Goiás, deputado de federal e senador constituinte. Conheceu como ninguém o planejamento estratégico do Regime Militar e sempre manteve o prumo de uma direita culta e qualificada. Professor universitário aposentado, dr. Irapuan acredita que o Brasil precisa de educação civilizatória para atingir o padrão das grandes nações. Ele observa que a conduta revanchista de Lula é própria de ex-presidiários e calcula que o Brasil vai precisar de mais uns 40 anos para se recuperar. Dr. Irapuan não perdoa a conduta pusilânime de Bolsonaro ao fugir do Brasil quando deveria ter ido para a porta dos quartéis. Hoje morando entre Goiânia (GO) e Portugal, o virtuoso articulista recorda com muita graça do tempo em que era acusado de nazista por ter na parede autorretrato do artista plástico Adolfo Hitler. Era só uma aquarela acadêmica de determinado espaço urbano de Munique, Alemanha, que já foi vendida. Em 2019, dr. Irapuan foi consagrado com o título de Cavaleiro da Ordem dos Templários em Tomar, Portugal. O cruzado não desiste do Brasil, mesmo reconhecendo que falta liderança para sobrepor a esquerda no País.

 

Marcio FernandesAgora que nós fizemos cem dias do governo Lula, o senhor esperava mais ou está dentro da expectativa?

Irapuan Costa Júnior – Não! Está absolutamente dentro da expectativa. Eu já esperava essa ineficiência da esquerda e esse aumento da estrutura administrativa. Como esperava também um presidente Lula rancoroso. Eu escrevi um artigo, logo após as eleições, relatando uma conversa que tive com amigo meu petista. Eu disse a ele: “Minha experiência de estudante da segurança pública e da convivência que tenho no meio policial mostra que ninguém sai da cadeia melhorado. Em geral sai mais raivoso”.

 

Britz LopesDr. Irapuan, é arcabouço ou calabouço fiscal o plano econômico lançado pelo ministro Fernando Haddad?

Irapuan Costa Júnior – Eu não sou economista, mas tenho vários amigos economistas que participaram de governos anteriores e a unanimidade diz que se trata de um pacote que vai impactar muito a inflação. Vai trazer aumento de carga tributária, com efeito mais danoso ao assalariado pobre. É muito diferente do que se esperava de um governo mais equilibrado, que buscasse alguma coisa não no incremento da arrecadação, mas no corte do gasto público. O que ai ocorrer na despesa é justamente o contrário. As privatizações já foram suspensas, o marco regulatório do saneamento está sendo mutilado. Basta ver o número de ministérios. São 37. É um aumento de despesa muito grande sem contrapartida.

 

Marcio FernandesTem até ministério de aeroportos, sendo que a maioria já foi privatizada e há agência regulatória para cuidar do setor.

Irapuan Costa Júnior – O governo Temer foi muito breve, mas tomou medidas importantes, como o marco do saneamento. O Brasil tem 80% da população sem saneamento. Quando está no momento de decolar são mudadas as regras.

 

Marcelo Fernandes de MeloDr. Irapuan, existe uma argumentação de que ao se privatizar por completo o setor de saneamento apenas cidades com maior número de usuários seriam lucrativas para a iniciativa privada e os menores municípios continuariam desassistidos por não serem rentáveis. Qual a sua posição a respeito?

Irapuan Costa Júnior – Acho que sua observação está perfeita. O governo deve estar presente, mas de maneira complementar. Justamente buscando aquelas comunidades que não seriam lucrativas para a iniciativa privada e deixar que ela vá para aonde há rentabilidade. Hoje, com a alteração do marco de saneamento, não há como uma empresa participar de um projeto como esse.

 

Marcelo Fernandes de MeloA meu ver foi um erro alterar o marco de saneamento por decreto, já que há lei disciplinando a matéria. Por outro lado, é preciso haver o cuidado estatal para que haja universalização do serviço, o que não ocorreria com a privatização total do setor. O que senhor pensa disso?

Irapuan Costa Júnior – Eu não conheço a redação integral do marco do saneamento. Eu acredito que o Estado deve ser complementar. Onde a iniciativa privada quiser e puder, o Estado não deve se meter.

 

Britz LopesO senhor acha que o governo Lula começou andando para trás, já que se encarregou de desfazer o que estava dando certo?

Irapuan Costa Júnior – Sem dúvida! Em todos os setores a gente nota não uma preocupação administrativa, mas uma revanche ao governo anterior. Qual o foi primeiro decreto que ele assinou? O decreto sobre a regulação das armas que foi algo assim que varreu todo mundo. O atleta de tiro, que representa o Brasil as Olimpíadas, não pode treinar. Ele só pode comprar seiscentas munições por ano. Isto é suficiente para o treinamento de uma semana. Ele veio com a ideia de desfazer. As principais empresas estatais não serão privatizadas. Ele está tentando desfazer a privatização da Eletrobrás. Há um descontrole administrativo do próprio presidente.

 

Marcelo Fernandes de MeloEstamos vendo um descontrole da segurança pública que não passa por arma de fogo, mas por redes sociais e por doença mental que está acometendo a sociedade, como os ataques a escolas.

Irapuan Costa Júnior – Não tem nada a ver essa fobia, essa histeria com as armas de fogo. O argumento é completamente desmentido por todas as estatísticas. Essas ONGs financiadas por estrangeiros, que adotam muito a pauta de esquerda, e o desarmamento é uma delas, não conseguem justificar nenhuma dessas afirmativas. No começo do governo Bolsonaro essas OGNs anunciaram que a venda de armas iria trazer um aumento de homicídios. E aconteceu o contrário. Um exemplo que dou, Marcio. Em Portugal tem, em mãos de civis, dez vezes mais o número de armas por habitante que há no Brasil. Isso significa nada em aumento de criminalidade. Criminalidade não é uma questão de arma, é uma questão de comportamento individual e de educação. A educação que molda o comportamento. Como resultado até dos dois anos de prisão, o presidente está muito raivoso e mencionou o Moro nominalmente sem o menor cabimento. E depois essa história dele querer ser um líder da esquerda na América Latina.

 

Marcio FernandesO Brasil participa de menos de 2% do comércio mundial, não tem estatura nas estratégias globais de defesa e nem posição geopolítica para decidir coisa alguma, como é o caso da Guerra da Ucrânia. Dr. Irapuan, essa liderança do Lula na América Latina não é meio delirante?

Irapuan Costa Júnior – Ele está até sendo ridicularizado por aí. Isto tem ocorrido na Europa. Ele chegou a dizer que a Ucrânia deveria ceder território à Rússia, no caso a Criméia, para haver base de negociação da paz. Agora isso deve ser uma preocupação nossa, pois nos governos anteriores ele gastou, através dos financiamentos do BNDES, uma verdadeira fortuna em Cuba, Venezuela e Argentina. O que ele aplicou em Cuba, no Porto de Mariel, resolveria o problema seríssimo brasileiro de déficit de UTI’s. Nós temos no Brasil 25 mil UTI’s quando deveríamos ter 85 mil de acordo com os padrões da OMS. Todo dia morre gente por falta de UTI. Eu tenho um amigo, o Lázaro Barbosa, ex-senador, que quase morreu por falta de UTI. Então, seria preciso um bilhão de dólares para comprar 40 mil UTI’s, valor aplicado no porto de Cuba. Se você oferecesse para os hospitais um financiamento com aquelas mesmas condições, cinco anos de carência, mais 20 anos para pagar e juros de 4% ao ano, todo mundo iria aceitar o negócio.

 

Marcio FernandesLula vai ter a folga política no Congresso como foi nos dois primeiros mandatos?

Irapuan Costa Júnior – Nos outros mandatos ele conseguiu transitar no Congresso através de Mensalão e de tudo, mas conseguiu.

 

Marcio FernandesNão se poderia prever que em 2013 o povo iria às ruas para derrubar a presidente da República. O senhor acha que a paciência do brasileiro acabou e pode ocorrer fato semelhante?

Irapuan Costa Júnior – Eu acho difícil depois do que aconteceu aí. Essas manifestações deram em nada por falta de iniciativa do próprio Bolsonaro. Depois aquela manifestação que terminou no 8 de janeiro foi muito reprimida pelo Alexandre de Moraes. O brasileiro não é de se manifestar. Não vai ser por aí não. Se não surgir uma liderança mais forte para movimentar a oposição a tendência é não acontecer nada.

 

Britz LopesO senhor enxerga o perfil dessa liderança?

Irapuan Costa Júnior – Quem mais tem condição de liderança é o Tarcísio, governador de São Paulo. O Zema está também tentando ocupar esse espaço. A liderança civil serve para fazer agitação e dentro do Exército não tem ninguém capaz de fazer liderança.

 

Marcelo Fernandes de MeloTeria de passar pelo canal político…

Irapuan Costa Júnior – Na época do Jango não passou pelo canal político. Quem fez acontecer foi o Carlos Lacerda. Ele era de briga. O Tarcísio procura se impor pela capacidade administrativa. Se tinha de derrubar era só convocar o Carlos Lacerda. No começo de 1964, nós estávamos aqui, montando um grupo civil, prontos partir para a briga. Eu fui lá conversar com o Carlos Lacerda, pois não tínhamos armamento. Eu era professor da Universidade Federal de Goiás, não tinha nenhuma ação política. Lacerda me perguntou: “O que você está fazendo agora?” Vim conversar com o senhor! “Eu estou indo inaugurar o Túnel Catumbi-Laranjeiras. Você vem comigo.” Tinha uma multidão e ele fez um discurso bravo. Lacerda partiu para cima do ministro Jair Dantas Ribeiro, que era o comandante do Exército. Se ele tivesse convocado aquela multidão para quebrar o Ministério do Exército, o pessoal teria ido.

 

Marcio FernandesO que a direita pode oferecer ao Brasil diferente do Bolsonaro. Não seria talvez uma direita sustentada em bases teóricas consistentes?

Irapuan Costa Júnior – A liderança da direita sempre foi militar. Como a liderança militar desapareceu ficou sem liderança.

 

Marcelo Fernandes de MeloNo passado havia lideranças de direita que tinham preocupação além dos interesses pessoais, que pensavam no País com muito mais formação cultural e ética, não?

Irapuan Costa Júnior – Essa direita católica nunca movimentou nada. Era um pessoal que escrevia em jornal e só isso. A direita no Brasil vem da Segunda-Guerra, dos militares que voltaram ao País da Campanha na Itália com um projeto de poder democrático. E de certa forma conseguiram. De 1985 até o Bolsonaro, as Forças Armadas apanharam da imprensa, sem nunca saírem em primeiro lugar em credibilidade pública.

 

Marcio FernandesE no governo FHC foram até mais ridicularizadas do que na Era Lula…

Irapuan Costa Júnior – A primeira coisa que o Fernando Henrique fez foi criar o Ministério da Defesa e retirar o status de ministro dos comandantes militares. Coisa que ninguém fala. Os dois presidentes mais bem avaliados ao final do mandato foram o Juscelino e o Médici. Diziam o Médici era ditador, torturador. Vocês são bem novos. O Médici ia ao Maracanã e era aplaudido. O gramscismo no Brasil funcionou muito bem. Você sabia que o Gramsci foi traduzido no Brasil primeiro do que em qualquer outro lugar? Quando ele deixou a prisão em Milão e os Cadernos do Cárcere foram levados para Moscou, havia uns brasileiros exilados na União Soviética ligados ao Ênio Silveira que traduziram os Cadernos e foram publicados em pleno Regime Militar.

 

 

“BOLSONARO TINHA DE TER IDO PARA FRENTE DOS QUARTÉIS”

 

Marcelo Fernandes de MeloDr. Irapuan, o Brasil vem há pelo menos duas décadas crescendo abaixo da América Latina. E o governo Bolsonaro foi muito prejudicado pela pandemia...

Irapuan Costa Júnior – O Bolsonaro não tinha como perder essa eleição. Ele foi o próprio adversário.

 

Marcio FernandesO senhor concorda que o Bolsonaro acordava e dizia: Hoje eu vou perder 10 mil votos, amanhã um 30 mil… e assim ia?

Irapuan Costa Júnior – Ele não tinha nenhum tipo de assessoria ou não aceitava. O general Heleno estava do lado dele. Será que ele não tinha nenhuma visão estratégica do que estava acontecendo?

 

Britz LopesEu acho que o Bolsonaro é ininfluenciável!

Irapuan Costa Júnior – Mas aí Britz, eu pergunto: por que o Heleno não pediu o chapéu? É inexplicável! Como é que um homem na posição de presidente da República não descobre quem está por trás daquela facada?

 

Marcelo Fernandes de MeloQuando eu mencionei a direita do passado foi para ressaltar que falta preparo para direita atual.

Irapuan Costa Júnior – Sem dúvida nenhuma! O Bolsonaro teve algumas oportunidades de desmoralizar o Supremo que o algemou. Quando o Alexandre de Moraes disse para ele não nomear o diretor da Polícia Federal, era hora dele falar que esta é uma prerrogativa constitucional do presidente da República e senhor ministro não vai ser obedecido por mim. O que o Alexandre iria fazer? Iria invocar o artigo 142 e convocar o Exército para depor o Bolsonaro?

 

Nélia Cristina CostaIrapuan, o que você acha da conduta do Bolsonaro de deixar o País quando havia aquela multidão na porta dos quartéis esperando por ele?

Irapuan Costa Júnior – Ele tinha de ter ido para frente do quartel e ficar junto do pessoal. Ser preso junto com o pessoal porque condição de liderança é isso. Essa foi outra falha enorme. Ele não podia ter saído do Brasil. Quer ver outra coisa? Um belo dia o PSOL fez um pedido ao Supremo para paralisar a Ferrogrão, que é a obra mais importante do Governo Federal. É um impacto tremendo na economia do Centro-Oeste. A soja vai sair do interior do Mato Grosso e ser exportada pelo porto de Itaituba, Pará, por um modal de transporte competitivo. Hoje a soja sai de lá e vai de caminhão para ser exportada por Itajaí, em São Catarina. Mas o PSOL pediu e no outro dia o Alexandre de Moraes mandou paralisar a Ferrogrão sob a alegação de que a ferrovia passava por terras indígenas. Era hora do Bolsonaro convocar cadeia de rádio e televisão e dizer que não iria cumprir tal decisão.

 

Marcelo Fernandes de MeloEmbora o governo Bolsonaro tenha tido excelentes quadros, não faltou peso nas áreas de inteligência política e jurídica?

Irapuan Costa Júnior – Eu falei isso para o major Vítor Hugo, quando ele era deputado e assessor do governo. Por que vocês não chamam o Ives Gandra Martins para assessorá-los? Dá lá uma salinha para ele no Palácio. Não precisa dar cargo nenhum.

 

Marcio FernandesO Brasil hoje está vivendo um momento de cerceamento evidente da liberdade de expressão?

Irapuan Costa Júnior – Não tenho dúvida nenhuma! Em nome da democracia o Alexandre de Moraes está tutelando o País.

 

Marcio FernandesO senhor imaginou que a redemocratização de 1985 fosse criar no País esse modelo de presidencialismo de coalizão nada republicano conduzido pelo Centrão?

Irapuan Costa Júnior – Fiquei quatro anos na Câmara dos Deputados e oito anos no Senado. Eu vi a que degradação do Congresso era muito rápida. Eu percebi que isso ia acontecer. Falta principalmente educação. O cidadão precisa ter o mínimo de noção para chegar no Congresso. Saí do meu mandato de senador muito decepcionado.

 

Marcelo Fernandes de MeloEssa polarização da sociedade brasileira e até em nível global não é cíclica e às vezes temos de passar por isso pelo próprio processo civilizatório?

Irapuan Costa Júnior – A gente é tentado a pensar assim, mas acho que a coisa é diferente. As civilizações mais antigas estão melhores do que nós. A Europa não vive o atraso da polarização que existe no Brasil. Portugal mesmo hoje tem um governo socialista e às vezes a direita sobe. Tudo muito civilizado. As instituições funcionam. Você observa os países nórdicos. Tudo funcionando direitinho. Não tem sacudidela. É educação e civilização. Portugal tem mil e tantos anos de civilização. Nós temos 500 anos. Não sei se vamos demorar cinco décadas para chegar lá, mas uns 100 anos com certeza. O (Herbert) Spencer diz que o que acontece com os indivíduos, o que acontece com as comunidades, também acontece com as nações de uma maneira geral. Você civiliza mais rapidamente se tiver uma boa educação. A nossa educação hoje está entre as piores do mundo, nos três níveis. O médico que sai da Universidade e não sabe medir pressão. Não sabe os sintomas do enfarto. O primeiro desafio do Brasil é a educação.

 

 

“É MUITO DIFÍCIL ACONTECER ALGUMA COISA POSITIVA NO BRASIL NOS PRÓXIMOS 30 OU 40 ANOS”

 

Marcio FernandesO Brasil é especialista em perder oportunidades, como o bônus geográfico da Previdência e capacidade de inovação, que vêm lá dos Anos 1980, quando fomos ultrapassados por China e Coreia. De avançado temos a indústria aeronáutica e o domínio do ciclo do urânio. Por que o Brasil não supera o subdesenvolvimento?

Irapuan Costa Júnior – Vamos voltar lá. Qual foi a grande liderança que nós tivemos que permitiu que avançássemos no setor aeronáutico? Nós quase fizemos a bomba atômica e teríamos de ter feito para que fôssemos um País mais respeitado internacionalmente. Foi o Regime Militar! Eu era presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, o Celso Amorim era embaixador do Brasil na ONU. Na ocasião foi proposto que o Brasil assinasse o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares. Eu conversei com os senadores que o tratado não nos interessava, pois nos limita. Esse tratado está sendo imposto pelos Estados Unidos e pela Rússia. Não vamos assinar isso. Eu falei: Vou por isso na gaveta. O Celso Amorim me ligava toda semana. Um dia ele liga para mim e diz: Senador, eu não estou aguentando mais aqui. O senhor precisa levar isso para votação. Os americanos estão me cobrando todos os dias. Eu perguntei: O senhor é embaixador do Brasil ou dos Estados Unidos na ONU?

 

Marcelo Fernandes de MeloEu venho de uma geração que teve o privilégio da escola pública de qualidade durante o Regime Militar, sem fazer apologia ao sistema. Como o Brasil conseguiu piorar a educação?

Nélia Cristina CostaA escola pública era melhor do que a particular.

Irapuan Costa Júnior – Eu experimentei isso. A minha faculdade, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro, na época Universidade do Brasil, foi até o Governo Sarney de primeiríssima linha. Naquela época, os reitores eram escolhidos pelo Conselho Universitário, que era formado pelos melhores quadros da sociedade organizada. Era escolhido o cidadão competente. O que o Sarney fez? Ele decidiu democratizar a escolha dos reitores. Eles passaram a ser eleitos por professores, alunos e funcionários. Os reitores passaram a ser não os competentes, mas os boas-praças, que não cobravam nem dos professores, nem dos alunos, nem dos funcionários. Aí chegou o Governo Petista. As universidades caíram nas mãos do PSOL, do PT de do PCdoB. Com isso o ensino universitário foi lá embaixo.

 

Marcio FernandesPor que temos as melhores escolas de samba do mundo e não conseguimos educar minimamente em português e matemática? No final virou uma indústria de produção do analfabetismo funcional…

Irapuan Costa Júnior – Falta gestão educacional neste País. Qualquer coisa que você faça consegue melhorar a educação. Está aí o exemplo da eficiência dos Colégios Militares, que serão desmontados. É muito difícil acontecer alguma coisa positiva no Brasil nos próximos 30 ou 40 anos.

 

Britz LopesDr. Irapuan, o que mudou da época em que o senhor era político para hoje?

Irapuan Costa Júnior – Olha, eu vivi muito a época do Regime Militar e depois como deputado federal e senador. O militar tem duas vantagens que ele adquire na caserna. A primeira é o planejamento. A segunda é correção e honestidade. Não houve corrupção no Regime Militar. Deve ter tido, mas longe da escala atual.

 

Britz LopesO senhor acha que o brasileiro vota mais com emoção, com o estômago ou com interesse?

Irapuan Costa Júnior – Vota sem formação. A grande maioria no Nordeste, que votou pesado no Lula, só vê Rede Globo. Eu tenho amigos petistas. Eu dizia: o tanto que o Lula roubou e você ainda vai votar nele? Eles argumentavam que todo político rouba.

 

Marcio FernandesQuando o senhor foi governador (1975-1979) recebeu um dos mais pobres Estados da Federação; fez um governo planejado que deu base para industrialização de Goiás e fez segunda obra de transporte de massa do Brasil, desenhada pelo Jaime Lerner. Como foi isso?

Irapuan Costa Júnior – É o que o (José) Ortega y Gasset fala: “Eu não sou eu. Sou eu e minhas circunstâncias.” A circunstância era planejar. Os governos militares eram extremamente cuidadosos com isso. Antes de assumir, eu montei um escritório de planejamento que trabalhou por quatro meses estudando os problemas de Goiás. Em Goiânia, o transporte público era um caos. Aí me falaram que tinha um cara lá em Curitiba, o Jaime Lerner, que era muito bom. Ele ficou um mês em Goiânia. Era um cara brilhante. Ele disse: “Você tem a Avenida Anhanguera onde nós vamos criar um eixo de transporte público.” Falei: Me entrega isso até o dia da minha posse para eu levar ao presidente Geisel. Eu pus aquilo debaixo do braço e fui ao Geisel. Expliquei que era o principal problema do Estado. Ele perguntou: “Você já estudou isso aí?” Falei: a solução está aqui! Ele não via bem de um olho. Lia tudo e gravava. O Geisel gostou do projeto e falou: “Vai lá no (João Paulo dos Reis) Veloso, ministro do Planejamento, mas antes me diz aí. Isso aqui vai custar quanto? E o Estado tem como arcar como o quê?” Eu falei: 20%. Fui ao ministro, ele disse: “O presidente quer te ajudar e a União deve entrar com mais de 80% do projeto. Vou te ligar em uma semana.” Uma semana depois o telefone toca e o Veloso diz: “Você deposita todo dia primeiro 10% da obra e nós vamos entrar com 90%.” Assim foi feito, rigorosamente. Todo dia primeiro do mês o dinheiro estava na conta.

 

Britz LopesO senhor deve ser tomado por uma tristeza danada quando vê esse BRT mal acabado que nunca termina…

Irapuan Costa Júnior – Nossa senhora! E o que está aí até hoje é que nós fizemos. O Geisel veio inaugurar em 1978.

 

Marcio FernandesQual a memória o senhor guarda da reinauguração do Teatro Goiânia?

Irapuan Costa Júnior – Foi uma noite espetacular.

 

Marcio FernandesEu fui com meu pai, logo depois, assistir à peça estrelada por Maria Della Costa.

Nélia Cristina CostaA Ana Maria Botafogo fez mais sucesso do que a Margot Fonteyn.

Marcio FernandesPor que o Brasil não reverencia devidamente a figura de uma Alysson Paulinelli, que planejou essa revolução do agronegócio?

 

Irapuan Costa Júnior – Ele foi indicado para Prêmio Nobel da Paz, mas o politicamente correto matou a ideia.

 

Marcio FernandesO senhor consegue hoje medir o prejuízo que trouxe a Goiás a liquidação da Caixego?

Irapuan Costa Júnior – Eu acredito ali foi o princípio do que depois se tornaria grande acordo do sistema bancário com o Fernando Henrique para acabar com praticamente todas as instituições financeiras estaduais e todos os pequenos e médios bancos. Bem usado, o banco público é algo importante. Quando assumi o governo, o Banco do Estado de Goiás (BEG) ainda estava redondinho, mas a pressão era muito grande. Depois do governo Iris a coisa deteriorou muito. Toda semana eu reservava a manhã de terça-feira para receber os deputados. Um dia chegou o Adjair de Lima com um cidadão. “Aqui está fulano de tal, é um companheiro nosso.” Eu olhei assim e vi que o indivíduo tinha uma cara de malandro. O Adjair pediu para emprestar um dinheiro para o camarada comprar uma terra e um gado. Eu liguei para o presidente do BEG e disse: Estou aqui com deputado Adjair. Um amigo dele precisa de empréstimo. Você observa as normas de garantia do banco e vê quem são os avalistas da operação. Eu acho que vai dar certo, pois um deles é deputado Adjair. Logo depois, o deputado me procura e fala: “Diz para o presidente do BEG nos receber, servir um cafezinho, mas para negar o empréstimo.” (Risos)

 

Nélia Cristina CostaIrapuan, você tem ideia de para onde foi parar o acervo da Pinacoteca da Caixego que você criou?

Irapuan Costa Júnior – O que aconteceu na Caixego aconteceu com meu banco, o BBC. O liquidante das duas instituições bancárias era o Eduardo Martins. Ele roubou na Caixego e no BBC. A primeira coisa que ele fez foi cassar as procurações de todos os advogados e passar para o nome de uma mulher que morava com ele. Eu não sei o que aconteceu com o acervo da Caixego.

 

 

Marcio FernandesDr. Irapuan, é possível fazer política de segurança pública no Brasil que não seja por intermédio da severidade da polícia?

Irapuan Costa Júnior – Absolutamente, não! O Brasil está cercado pelos maiores produtores de cocaína. Colômbia, Peru e Bolívia. Quase toda produção da droga passa pelo País para ser exportada para os EUA e Europa, os maiores consumidores. O dinheiro envolvido no tráfico internacional de cocaína é o negócio mais rentável do planeta. O quilo de pasta de cocaína é adquirido por mil dólares na Bolívia e vendido por 35 mil dólares na Europa. O Pablo Escobar, com 45 anos, tinha uma fortuna de 30 bilhões de dólares. Se não fosse tão rentável não existiria o PCC e o Comando Vermelho no Brasil, que são exércitos de dezena de milhares de batizados muito bem armados. O Evo Morales é completamente envolvido com o tráfico de drogas. Vários ex-presidentes da Colômbia e Peru também. O Fidel Castro substituiu o financiamento da ex-União Soviética pelo tráfico de drogas e deu dinheiro para Cristina Kirchner, para o Lula e para o ex-primeiro ministro da Espanha, José Luís Zapatero. Está tudo registrado no depoimento que o narcotraficante Hugo Carvajal deu à Justiça da Espanha.

 

Britz LopesDr. Irapuan, como foi esse planejamento de morar em Portugal?

Irapuan Costa Júnior – Eu e a Suely tínhamos vontade de fazer isso há muitos anos. Eu tenho filhas nos Estados Unidos e no Canadá. Eu não gosto dos Estados Unidos e o Canadá não é muito diferente. Portugal é nosso avozinho. Eu estou aposentado. Gosto muito de estudar, ler e escrever. Nós tínhamos vendido uma propriedade em Caiapônia (GO). Eu falei: Vamos para Portugal! E não nos arrependemos, não é Suely?

Suely Fátima Vieira Costa – Não nos arrependemos!

 

 

Britz LopesÉ verdade que o senhor tem uma tela pintada pelo Hitler?

Irapuan Costa Júnior – Eu tive, mas já vendi. Era uma aquarela pintada por ele, do cartório do registro civil de Munique, Alemanha.

Nélia Cristina Costa – Era uma aquarela acadêmica, sem muita criatividade.

 

Marcio FernandesE a esquerda dizia que o senhor era nazista por conta dessa aquarela...

Irapuan Costa Júnior – O Adhemar Santillo dizia que eu não tinha uma aquarela, mas um autorretrato do Hitler. Depois ficamos amicíssimos. Meus grandes sócios eram o Pedro Paulo da Encol e o Jânio Cohen, que era judeu. Eu tenho o Nathan Blanche, meu grande amigo e vizinho em Portugal, que também é judeu.

Este post foi escrito por: Marcio Fernandes

As opiniões emitidas nos textos dos colaboradores não refletem necessariamente, a opinião da revista eletrônica.

3 comentários em "Relatos da cruzada do Cavaleiro Templário"

  • Anna Paula Anna Paula disse:

    👏👏👏👏👏👏

  • Noemy Faria disse:

    Meu Deus, como é saudável ler pautas inteligentes com um entrevistado fantástico! Dr Irapuã, tive vários momentos com ele e sempre aprendia muito em tais ocasiões.
    Sugiro que está bela entrevista seja mais divulgada, está maravilhosa.
    Parabéns, Marcinho! Parabéns, Britz News❤️❤️❤️❤️👏👏👏👏👏

Deixe uma resposta