Ride si sapis, por Marcelo Franco
Começo este texto já dando carteirada de latinista. O título aí acima se traduz mais ou menos por “Se for sábio, ria”, e é no que penso quando a editora Britz Lopes me pergunta se há receita para escapar da mediocridade. Bem, voltemos duas casinhas antes de rirmos.
Houston, we have a problem. Ou dois. Primeiro, como definir “mediocridade”? Parece que a palavra tinha antes o significado único de designar aquilo que estava na média comum, entre o céu e o pré-sal; o famoso meio-termo, portanto. Agora, contudo, nós usamos “medíocre” principalmente como sinônimo de “ordinário” ou “reles”. Fiquemos com o segundo significado, hoje mais comum e também porque sei que a nossa editora não dá ponto sem nó.
Aí é que reside o segundo problema: eu não quero fugir da mediocridade. Na verdade, quero a abraçar, acarinhar e embalar o seu sono. Para ela, eu quero a rosa mais linda que houver e a primeira estrela que vier. A alegria de um barco voltando. Passar uma tarde em Itapuã com a mediocridade. Ver a mediocridade na rua, cabelo ao vento, gente jovem reunida. Daí que a sabedoria, assim, está em reconhecer a mediocridade certa para contrabalançar todos aqueles concertos a que assistimos e cada Shopenhauer que fingimos ler. Ocorre-me agora: somos medíocres (ficamos no meio-termo) quando optamos pelas mediocridades (coisas ordinárias) certas. Evidentemente, nisso entram gostos personalíssimos. Conto os meus, então, que estes meus textos aqui no By Britz já se tornaram uma espécie de confessionário.
Os italianos criaram uma palavra para a arte de dominar a vida: sprezzatura. Ter sprezzatura é ser cool, é aparentar tranquilidade em tarefas difíceis. Gosto de esticar o conceito, porém: é ainda saber ouvir — e apreciar — Bach, mas também Fagner cantando “Borbulhas de Amor”, por exemplo. E os antigos romanos elogiavam a vida com alguma “mediocridade dourada”, ou “aurea mediocritas” (devo estar errando o conceito, mas vá lá). De volta a mim agora, como prometido, pois comecei este parágrafo sem me autoelogiar, um crime hediondo para os meus padrões. Não afirmo que eu tenha dominado a arte da sprezzatura, uma luta diária e que dura toda a nossa vida, mas posso alardear que aprendi alguns truques. Restaurante Michelin e pé-sujo; Shakespeare e novela mexicana; Marcel Proust e romance policial de quinta categoria; ópera e forró; Veuve Clicquot e São João da Barra; Paris e Riachão das Éguas; Van Gogh e Romero Britto… Não, não, peraí, agora exagerei; de qualquer modo, vocês pegaram o espírito da coisa, com certeza: basta olhar com olhos de ver.
Enfim, o fim. Sempre que forem beber o vinhozinho diário e sagrado, lembrem-se de que conhecer rótulos e métodos de produção é ter sprezzatura; rodar a taça com cara de entendido e bochechar o vinho e só uma coisa chata mesmo. Caiu o garfo? Pegue-o: sprezzatura. Esperar o garçom o pegar? Mediocridade. Cachaça num boteco pé-sujo? Sprezzatura. Pinga comprada a preço de Mercedes de última geração? Coisa reles. Terno bem cortado? É uma grande e elegante fuga da mediocridade, como quer a editora. Milhares de reais por um pedaço de pano para cobrir o corpo? Mediocridade qualificada. E assim podemos viver as nossas vidinhas bestas aqui neste dito vale de lágrimas. Vale de lágrimas? Ora, sempre e sempre: ride si sapis. Riam. Riamos.
Texto: Marcelo Franco, esse cara aí da foto