Sacolejando num ônibus no altiplano boliviano
Marcio Fernandes – Nós deixamos Potosi na dúvida se o motorista contratado iria aparecer. Não apareceu, é claro, e a solução foi por em prática o plano B: fazer o trecho Potosi-Uyuni de ônibus à moda boliviana.
O terminal de passageiros é tumultuado pelo assédio das vendedoras de passagens e algo irritante os gritos dos motoristas no momento em que você está com dor de cabeça e náusea causada pela altitude. Ainda bem que não embarcou em nosso ônibus uma “chola” que tinha na bagagem 1/4 de uma vaca com osso em saco improvisado.
O sistema pinga-pinga da viagem é bem o divertido e explica em parte a duração de 3h45 para se percorrer 200 quilômetros. Na verdade, o ônibus, todo colorido, é velho, lento, mais para sujo, e a estrada muito desafiadora. Bastante sinuosa e cheia de sobe-desce, a rodovia está quase toda assentada em altitude acima dos 4 mil metros.
A paisagem é deslumbrante e vai se alterando na medida em que o ônibus faz lenta progressão pela cordilheira andina. Em um momento há pastagens com milhares de lhamas a perder de vista.
Em outro, paredões de rochas cobertos de cactos. Há momentos em que os Andes oferecem no cume da montanha crista de pináculos vermelhos a contrastar com o céu 100% azul.
Existe um aviso expresso no ônibus a advertir ser proibido comer no interior do veículo, mas não faltam vendedoras ambulantes de comidas no corredor da viatura toda vez que há parada em um vilarejo. Sem falar da comida levada a bordo pelos próprios passageiros. A sensação é de que você está em um trem na Alemanha, onde o pessoal transforma o vagão em loja de fast food.
Mesmo morto de fome, não quis me arriscar, pois ainda trago no abdômen as consequências de ter bebido um suco de mamão, de duvidosa procedência, em copo de vidro com mancha permanente de caldo de bactéria. Legado da espelunca do hotel de Santa Cruz de la Sierra de triste lembrança.
Não sou muito fã de bicho, mas achei a lhama um espetáculo de simpatia. Elas têm o pescoço espigado, o pêlo viçoso e parecem sorrir para ti enquanto pastam as gramíneas ásperas do solo andino. Ainda não está decidido, mas a tendência é não comer um filé do bicho no almoço.
Na última meia-hora de viagem, a estrada se apruma em uma planície alongada de perder de vista. É uma reta só e o motorista do ônibus aproveita para baixar o pé no acelerador.
Bateu uma vontade expressiva de comer frango bem frito com limão galego. O que não falta na culinária boliviana é frango. Agora, se você me perguntar se é saboroso o modo de preparo, eu diria que não. Aqui ninguém sabe fazer um frango a passarinho.
Marcio Fernandes é jornalista