segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Sobre uma pedra deixada no Caminho

 

Marcio Fernandes – Hoje acordei 4 minutos antes do despertador, programado para 6h30. Enquanto fazia alongamento, comecei a imaginar o que haveria no café da manhã. Insegurança alimentar me faz um ser vulnerável. Diagnóstico preciso dado lá na década de 1970 por minha preciosa avó Carlota e confirmado pelo meu Médico Particular.

 

 

Na saída para pegar a proa do Caminho de Santiago, Heloísa me passou um susto grande. Não havia percebido que estava em frente à viatura de funerária tipo van. Sofisticadíssimo, o veículo não estava mesmo preparado para mim. Já havia um caixão depositado em tom verde bem severo. Claro que ela não perdeu a piada!

 

 

Molly decidiu caminhar sozinha a passos largos. O Caminho é assim mesmo. Cada um faz ao seu modo. Eu e Heloísa seguimos falando em português sobre coisas do Brasil. Expliquei para ela o quanto o país é hipócrita ao desregulamentar a profissão de jornalista ao mesmo tempo em que regulamentava a de motoboy. Para o segundo há regras estritas. Para o primeiro basta querer e está feito.

 

 

Depois falamos da vida e obra de Antônio Poteiro, artista plástico nascido no Minho e consagrado no Brasil, de quem fui amigo. Minha professora de inglês nos anos 1990, extraordinária, aliás, Heloísa me passou uma carraspana por ter cometido erro crasso com emprego de um adjetivo. Muito obrigado por ser tão solícita e aplicada, querida Heloísa!

 

 

Ao contrário de ontem, o sol apareceu tímido e logo vento a Noroeste nos trouxe algum frio. Aproveitei para pegar voo desde a passarela e fui longe navegando por um céu cheio de passado e muitas possibilidades de futuro sem me preocupar muito com trecho cheio de mochileiros de todas partes do mundo.

 

 

Hoje, 12 pontos de Portugal estavam em alerta amarelo para tempestades. Ao Sul da nossa posição eram visíveis nuvens tenebrosas, que me levaram a Fernando Pessoa em Mensagem. Tínhamos uma hora desde os vilarejos de Aguçadoura até Apúlia antes que o aguaceiro desabasse. Ao chegar lá, Molly havia se perdido e garoa caiu sobre nós enquanto tentávamos localizá-la no GPS. Houve um estresse fraco e tudo evoluiu sem maiores problemas.

 

 

Após 15 quilômetros de caminhada, já em Chã, linda aldeia do Minho, voltou a chover e Heloísa deu por encerrada sua participação no Caminho por hoje devido a três bolhas que ela adquiriu nos pés. Fiz um pronto-atendimento com Compeed, curativo muito eficiente, e recomendei que ela descolasse um Uber até Esposende, destino final desta etapa de 20 quilômetros.

 

 

Eu e Molly seguimos o Caminho e na saída da aldeia apareceu Susan, uma tcheca meio pálida que queria caminhar conosco. Eu não entendi muito qual era a dela, mas Molly sim. Parece que a figura do Leste Europeu queria dividir quarto conosco. Veto de Molly foi muito educado e definitivo. Em seguida, ela explicou que era comum na Europa entre pessoas de pouca idade tal procedimento e que poderia ser algum tipo de cilada. Susan foi arrumar a vida em outra freguesia e logo nós entramos no Centro Histórico da linda cidade.

 

 

No Caminho há espécies de lugares naturais ou artificiais nos quais os peregrinos depositam pequenas pedras que simbolizam o marco de lembranças eternas ou desfazimento de outras que pesam na alma.

 

 

Eu depositei a minha para meu irmão que se foi. Chorei por uns 500 metros adiante a encharcar a lente dos óculos enquanto ouvia no silêncio de recordação sempre dolorosa a música Insônia, de Kleiton e Kledir, canção que ele adorava e até fazia no violão.

 

 

Minha mochila, La Madastra II, se comportou muito bem após ajude fino na coluna cervical. Descolamos muitos carimbos lindos nas credenciais e chegamos inteiros em hotel qualificado. Querida Aline, como é sexta-feira e já peguei ritmo de trilha de longo curso, vai ter piau expressivo do Trás-Os-Montes na varanda no quarto.

 

 

A música de hoje é Busca Vida dos Paralamas do Sucesso!

 

Marcio Fernandes é jornalista!

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Este post foi escrito por: Marcio Fernandes

As opiniões emitidas nos textos dos colaboradores não refletem necessariamente, a opinião da revista eletrônica.

7 comentários em "Sobre uma pedra deixada no Caminho"

  • Avatar Aline Torres disse:

    Arrumar a vida em outra freguesia foi sensacional, rs. Aproveite o piau e cuidado com a caladinha! 👏🏻

  • Avatar Noemy Faria disse:

    Que bom que vcs três companheiros de viagem se afinaram bem. Todos muito francos e conscientes do que querem. Delícia de texto. Parabéns ❤️

  • Olá, Márcio. Primeiramente vou me apresentar: sou Ana Maria, filha do meio da família Castro Duarte, mas que o destino cruel, de diagnósticos incuráveis do corpo, e não da alma (espero), me fez irmã mais velha da Heloisa. Prazer! Estou, precariamente, acompanhando o caminhar de vocês, pois Heloisa não me proporciona muitas fotos dessa aventura, que, num futuro próximo, e se a saúde assim me permitir, farei com minha cara metade e eterno amor, Gima, companheiro de quarenta anos.
    Estou adorando a descrição que você faz dos dias aí vividos. Diga para a Heloisa continuar me mandando seus textos e prestar atenção no que vem atrás. Já pensou ser atropelada por um carro funerário? Rs…
    Abraços.

  • Avatar Clara Accioly disse:

    Obrigada. Adorando

  • Avatar Heliane Fernandes Moreira disse:

    Vc quer acabar com minha vida em choros e saudades? Estou chorando, quantas pedras ..😭 as pessoas que nos matam em vida…buaaaaaa….

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