segunda-feira, 7 de outubro de 2024

STF: o notável saber e a notória burrice

 

Demóstenes Torres — A Constituição da República tem exigências para ocupantes de tribunais (STF, STJ, TST, TSE, TRE), conselhos nacionais do Ministério Público (CNMP) e de Justiça (CNJ), além do advogado-Geral da União (AGU). Estamos no ano das vagas, então, entram em cena os palpites de especialistas com doutorado em WhatsHarvard, TikToxford, YaleTube, Minecambridge, Instanford, AmongUcla, The LastofUChicago.

 

Para esse pessoal formado em aplicativo de conversa fiada, tanto faz o aspirante a ministro ter estudado nas melhores faculdades do mundo como se graduar em mídias sociais. E o constrangimento se repete sempre que aparece alguma personalidade para ser ouvida no Senado, ou mesmo antes, na fase de cogitação, como agora, a fim de ocupar a sonhada vaga. Uns escapam da sabatina, como o AGU e membros de cada Tribunal Regional Eleitoral, mas precisam exibir preparo intelectual na área.

 

Já noutras áreas… Predomina entre jornalistas, senadores, comentaristas jurídicos de emissoras de rádio e TV a expressão “notório saber jurídico”, quando a Constituição requer o “notável saber jurídico”. Confundir notável com notório é a típica inguinorança que astravanca o pogresso. Zune nos ouvidos. Mas o que entontece, mesmo, é o erro ser aceito com tamanha naturalidade, quando a distinção é bastante simples, até mesmo simplória. Notório é ex-BBB, notável foi George Orwell, autor de “1984”, de onde vem o big brother.

 

Notórios são os conhecidos, os que são públicos, manifestos. Os famosos podem ser conhecidos tanto pelo seu lado ruim quanto pelo bom. Assim, são notórios Anderson Silva, Anitta, Bolsonaro, Dilma, Elias Maluco, Elio Gaspari, Faustão, Felipe Neto, Fernandinho Beira-Mar, GKay, Juliette, Lauro Jardim, Luciano Huck, Lula, Merval Pereira, Míriam Leitão, Neymar, Pabllo Vittar, Rodrigo Faro, Thammy Gretchen, Walter Maierovitch, Wesley Safadão…

 

Já notável é aquele que se nota, é admirado, apreciado, erudito, saboreado pelo seu conhecimento, talento, feitos admiráveis, habilidades. Pessoas como Assis Chateaubriand, Demétrio Magnoli, Fernando Schüler, FHC, Gabriel Medina, Gilberto Mendonça Teles, Johnny Saad, Michel Temer, Milton Nascimento, Nana Caymmi, Rayssa Leal, Reinaldo Azevedo, Roberto Marinho, Ruy Castro, Tom Zé…

 

Há os notáveis notórios, gente admirável que se tornou conhecida do grande público, como Albert Einstein, Ayrton Senna, Caetano Veloso, Chico Buarque, Fernanda Montenegro, Garrincha, João Gilberto, Leonardo da Vinci, Nelson Rodrigues, Pelé…

 

Outros são brilhantes em seus nichos de atuação, têm o “notável” e o “saber”, mas lhes falta o “jurídico”. Nem se fossem vivos, e muito vivos, Dostoiévski, Monet, Shakespeare, Tom Jobim, Saramago, Cervantes, Mann, Picasso, Victor Hugo e outros iluminados poderiam concorrer a ministros de tribunais.

 

No direito é igual, há os notáveis, os notórios e os raros que são ambos, como alguns já citados e Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, Augusto Aras, Bruno Dantas, Lenio Streck, Manoel Carlos de Almeida Neto, Paulo Gonet e os integrantes de STF e STJ. A fama os precede e a sabedoria procede.

 

Na música é desigual. Analise-se o Spotify. As 50 primeiras do Top Brasil são notórias e, das “clássicas para ouvir durante a leitura”, notáveis as 11 de meia dúzia de gênios, Chopin, Beethoven, Bach, Vivaldi, Strauss, Philip Glass. Quem tem ouvido que use da melhor maneira. Nesta segunda, 27.mar.2023, o notório sul-coreano Junkook superou 1 bilhão de reproduções no Spotify, onde o notável Noel Rosa tem média de 38.973 audições.

 

Alguns unem e são ímpares. Paulo Vanzolini, notável e notório nas ciências e nas artes, é o número único. Médico e zoólogo com doutorado em Harvard, foi o idealizador da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Multiplicou por quase 200 o número de exemplares da coleção de répteis do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. Cunhou, juntamente com Aziz Ab’Saber e Ernest Willians, a Teoria do Refúgio, constatada em suas frequentes viagens à Amazônia. Comprovou que o calor extremo na floresta liquida parte dela formando vazios, os refúgios.

 

Na música, o compositor Vanzolini manteve o nível do cientista. Escreveu “Ronda”, “Volta por Cima”, “Praça Clóvis” e dezenas de outros clássicos da MPB. Se observassem a letra de “Samba Erudito”, os agentes mencionados aprenderiam o que é ser notável:

 

Andei sobre as Águas

Como São Pedro

Como Santos Dumont

Fui aos ares sem medo

Fui ao fundo do mar

Como o velho Picard

(…)

Fiz uma poesia

Como Olavo Bilac

(…)

Então como Churchill

Eu tentei outra vez

Mas você foi demais

Para a paciência do inglês.

 

Portanto, se o candidato a ministro naufraga ao caminhar sobre as águas revoltas das fakenews, não inventou o avião nem o batiscafo, está longe da perfeição parnasiana e treme diante de comunista ou nazista, o jeito é se apegar com Deus, o notável dos notáveis. Ainda assim, descumprea Constituição, pois conteúdo não é teúdo e manteúdo de ninguém.

 

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Este post foi escrito por: Demóstenes Torres

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