sábado, 27 de julho de 2024

Sua Excelência, o texto de Marcio Fernandes

Nilson Gomes-Carneiro — Páginas à frente, após esta resenha, você vai encontrar seu presente de Natal antecipado. E inesquecível. É “A imagem mais linda do mundo quando o sol se põe sobre as Dolomitas”, parte de um dos 59 relatos de viagem de Marcio Fernandes em “A fila anda”, vídeo e livro (impresso na Poligráfica). São 308 folhas tão belas quanto as do outono de seus destinos, geralmente a Europa. Os 5 minutos do documentário garantem boas risadas.

 

Não, você nunca viu alguém igual a Marcio Fernandes. Ou alguém o apresenta a você numa montanha gelada da Itália, nos Caminhos de Santiago, num vagão fétido da Geórgia ou adeus. Aliás, é uma das muitas coisas que o apavoram (e são cada dia menos): “Despedida é algo que me dilacera. Sinto uma dor doída até de quem eu não conheço e deixa o trem sem me dizer tchau”. Sim, você pode acompanhá-lo nessas jornadas. Basta-lhe uma de três:

 

 

1) Ganhar sozinho na Mega da Virada;

2) Achar o Santo Graal na Praça do Bandeirante;

3) Seu nome ser Molly Schoeck, Elyse de Bordeaux, Tereza Melo, Paul Fitzgerald, Nancy Ortêncio, Sofia Jerônimo, Flávia Morais (não é a deputada) e raríssimos outros, como a meia dúzia de “personagens” recorrentes nos textos, o Generalíssimo (o amigo de adolescência Demóstenes Torres), a Sururu (Britz Lopes, sua mulher), Heloísa Fitzgerald (professora de Inglês em Boston), Meu Médico Particular (um Melo, de sua família e não é o filho, o pediatra Daniel Massula de Melo), La Madrasta II (a mochila-coração-de-mãe, pois suporta tudo) e Dona Carlota (sua avó, “uma velhinha muito branca, que tinha antipatia de tudo, com mania de limpeza e tiradas sensacionais”, define-a Demóstenes. “Farejava de longe um sujeito sem traquejo. Podia ser diplomado, rico, o que fosse, logo sentenciava: ‘– É cavouqueiro’. Acho que dos parentes só gostava do Marcio”).

 

Há muito mais.

 

Caminhos de Cora e de Santiago.

Rios do Araguaia ao Minho.

Cantores de Fernando Perillo e Altemar Dutra às melhores bandas, Beatles entre elas.

Promotores de justiça Marcelo Franco, o Marcelinho, e Marcelo Fernandes, o Marcelão.

Políticos de ex-governador (Irapuan Costa Jr.) à vereadora Ynaê Curado, de Pirenópolis, passando por Jair Bolsonaro, Stálin (cuja terra visitou) e Lula, que, “caso resolva criar um Ministério da Improvisação, pode contar” com Marcio: “Sinto que falta um Fernandes em tua equipe”).

 

E até Fernandinho Rassi, que tem a “capacidade única de identificar a idade das mulheres pelas rugas no cotovelo”.

 

Essas e outras figurinhas estão no vídeo xará do livro, como os publicitários Ailton Lima e Marco Antônio Chuahy, Isabel Tobon (colombiana que conheceu no Caminho de Santiago), Sílvia de Melo, Tereza Melo (que dubla La Madrasta II), a filha Aletéia, a neta Nina, a advogada Darlene Liberato, tudo sob direção de Raimundo Alves.

 

Porém, o grande protagonista do livro é, mesmo, a qualidade da escrita. Encontra rival à altura nas maravilhosas fotografias extraídas da natureza pelo próprio Marcio. Ainda assim nada rivaliza com o texto. Para a média do leitorado, no entanto, o que provoca inveja não são as palavras, mas o que elas descrevem. Você pode até buscar no Google os lugares visitados por Marcio e jogar no ChatGPT implorando pela definição de cada um. Pode. Vá. Seria igual a escarrar para cima e aparar com os lábios. Outra coisa é chegar “a Póvoa de Varzim moído dos 29 mil passos dados no dia”, aquele cansaço delicioso que sai com água de bica (Marcio nem se molha em cachoeiras, apesar de ter visto algumas das mais belas do planeta). A outra alternativa é consumir o livro e se sentir depois de tomar um banho grande abrindo um vinho do Dão (Beira Alta, em Portugal).

 

A bebida condizente com o passeio tem preço de Estância MM no Brasil. Marcio a sorve próximo ao tonel, o que barateia as excursões. De dentro dos trens, escolhe pelos cents a hospedaria da cidade seguinte. Comemora quando o quarto é só para si, até porque no banheiro coletivo da pousada três louras escandinavas se lavam mutuamente, concomitantemente, com o sabonete que vão repassar-lhe enquanto saem para o corredor, seios à mostra, toalhas mal cobrindo suas vergonhas, se houvesse alguma nessas europeias maravilhosas. Acordou? A Santa Britz de New Venice joga gelo dos Alpes na erupção do Vesúvio:

 

“Nos relatos diários, a tradução imediata do cotidiano de viagem, elementos históricos, geográficos e políticos, relacionados ou não. Há, também, um pouco de ficção, situações absolutamente inventadas, mas com liame de verdade e nonsense”.

 

Refere-se à 3ª parte do livro, que publicou em sua revista eletrônica, a Bybritznews, cujas atrações falam Português daqui mesmo. Na 2ª, ela conta, “foram compiladas outras crônicas referentes a caminhadas de longo curso em Pieterpad, na Holanda, e de alta montanha na Altavia Via 1, na Itália”. Nessa estão os poemas em prosa de que Papai Noel extraiu o presente de Natal do leitor. A 1ª são 31 crônicas com roteiros que começam no Caminho de Santiago. Você vai a Trindade a pé e acha que ficou quites com o Divino Pai Eterno? Seus 18km são bem-acoli de baiano diante dos 240km a partir do Porto, em Portugal: “É tão delicioso o desejo de alcançar Compostela [na Espanha] que nada corporal é suficiente para deter nossa aventura. Aliás, o dia foi tão bom que comecei a encurtar a passada para que o final da etapa não chegasse logo.”

 

É o melhor guia de mochileiro desta galáxia, mas o leitor vai perceber que nem em três vidas consegue conhecer o mundo como Márcio. Talvez até percorra mais países, só que não os viverá igual a ele, andando, revirando a lata de lixo dos lados feios, mandando um positivo aos de bem e excomungando os do mal. Disse para Inácio Costa Marinho, que o acompanha, que não havia “plano para fazer livro de viagem” e, “se mudar de ideia, você será um dos primeiros a saber”. Falar em furo, Demóstenes conta na apresentação notícias exclusivas sobre Marcio, sobretudo que “A fila anda” não é sua estreia:

 

A – “Escreveu um livro extraordinário, ‘Refeições Baratas’, que tive o prazer de ler, só que ele destruiu os originais por achar que não era bom”;

 

B – “Marcio quase se tornou deficiente físico após uma sucessão de cirurgias na coluna. Isso o levou a buscar um novo desafio: viagens com caminhadas, no velho estilo mochileiro. Planeja cada percurso, estuda metodicamente o que tem ali de histórico, sua gente, hábitos e por aí vai.”

 

Daí já ter feito quatro vezes o Caminho de Santiago, pois forma física não lhe falta. Magro, canelas finas e comedor de uma iguaria que é coqueluche nacional: “Preciso mesmo mandar um superpositivo para o arroz branco soltinho. Hoje bateu saudade e só você é capaz de me fazer voltar ao Brasil. Conte comigo. Eu conto com você, sempre”.

“Mandar um positivo” é um gesto que pegou do Tocantins, também chamado de “dedão”, ou “like”, na linguagem das redes sociais. “Quem é seu amigo espera, ao fim de cada leitura, seu positivo”, diz Irapuan. “Eu já andava meio emburrado, porque o meu tardava, mas ele veio, da radiante espanhola Medina del Campo, que me deu uma vontade louca de conhecer. Vou lá um dia. Mas não de mochila nas costas, como o Marcio. Aos 86 anos, melhor não; ou de carro mesmo, tenho o direito da idade. E, Marcio, falo por mim e pelos que vão ler essa coletânea, tenha certeza: queremos mais, no futuro!”

 

Irapuan tem razão. De tão bons, os produtos podem não se resumir a livro e documentário: “Meu amigo Johnny Saad”, diz Demóstenes sobre o dono da Rede Bandeirantes, “tão revolucionário em matéria de televisão, deveria ler esse livro e chamar o autor para fazer um programa diferente porque os que existem sobre viagens são modorrentos e óbvios. O Brasil precisa bebericar o Marechal Marcio Fernandes”.

 

240km em 10 dias e 12 trechos

 

É tanto texto bom que fica difícil selecionar, como deve ter sido difícil escolher as fotos, pois é uma melhor que a outra. Confira alguns trechos da narrativa de Marcio Fernandes enquanto andava de Porto a Compostela:

 

1 – “Você começa o Caminho quando decide fazê-lo, bem longe, lá do outro lado do Oceano Atlântico. Ele vive nas tuas botas, se exaure em teu suor, é íntimo da tua fé e se expressa na simplicidade de duas palavras: Buen Camino [saudação dos peregrinos].”

 

2 – “Na rota da longa estrada do Caminho, dores velhas se dissolvem e desejos novos são realizados.”

 

3 – “Tudo é possível em Santiago porque ele é portador do dom de derramar estrelas sobre o campo da tua existência.”

 

4 – “Hoje eu comecei o dia com Camariñas na voz da Rosa Cedron, celtibérica mais linda de toda Galícia, Astúrias e Cantábria. Ela não sabe que é responsável por eu ter me apaixonado pela peregrinação a Compostela.”

5 – “Santiago, esta é a quarta vez que ando ao teu encontro. Você me socorreu tanto que não preciso mais fazer a Primeira Comunhão. O Senhor já fez isto por mim quando eu ignorava a tua existência e mal conseguia andar.”

 

6 – “O Caminho de Santiago é exercício incondicional da paixão. Por isso, não pesa o sacrifício de percorrer longas distâncias para alcançar Compostela, a pátria amada dos peregrinos.”

 

7 – “O Caminho fica em ti para resto da vida e para o resto da vida você vai querer voltar a Compostela.”

 

8 – “No Caminho, até os musgos que cobrem árvores e pedras te fazem sentir pleno de alguma coisa que não é deste mundo.”

 

9 – “Nesta viagem, enchemos a nau de especiarias das Índias. Tínhamos reserva boa de leite das Astúrias, pão fresco da Itália e vinho do Alentejo. Muitos tapetes da Pérsia. Seda genuína da China. Pedras preciosas de Gana. Sabedoria judaica, noite das Arábias e paz de Buda. Nossa maior fortuna, no entanto, era a bênção de São Tiago a nos dar proteção para vida longa no eterno pacto com Deus.”

 

10 – “Hoje alcançamos Viana do Castelo e demos por terminada a etapa do Caminho Português da Costa. Chamamos um Uber para nos levar a Ponte de Lima, onde iremos nos conectar com o Caminho Central. O motorista português, que por acaso se chama Tiago, fez o trecho de 27 quilômetros ouvindo música de sertanejo universitário.”

 

11 – “No Caminho há espécies de lugares naturais ou artificiais nos quais os peregrinos depositam pequenas pedras, que simbolizam o marco de lembranças eternas ou o desfazimento de outras que pesam na alma. Eu depositei a minha para meu irmão Marcello, que se foi. Chorei por uns 500 metros adiante a encharcar a lente dos óculos, enquanto ouvia no silêncio de recordação sempre dolorosa a música ‘Insônia’, de Kleiton e Kledir, canção que ele adorava e até fazia no violão.”

 

12 – “O penúltimo e mais acentuado trecho da subida da Labruja é marcado pela Cruz dos Franceses. Tem esse nome porque representa a derrota das tropas de Napoleão Bonaparte em batalha nas redondezas. Foi convertido em santuário. Deixei lá uma pedra para minha mãe e um poema de Antonio Machado, doado pelo Juan Pratginestos. Está em espanhol, mas acho que isso não será problema, pois onde ela está deve ter tradução automática de qualquer idioma.” [Susi, a mãe de Marcio, era uma santa do setor Campinas, em Goiânia, que todo dia distribuía almoço para mendigos em sua casa. Fui beneficiário dessa bondade diversas vezes]

 

 

 

31 frases de Marcio Fernandes em “A fila anda”

 

VAMOS FAZER ENQUANTO CONSEGUIMOS

 

“Por ter quase a minha idade, Molly tem a percepção de que o exaurimento do tempo útil que nos resta é o bem mais valioso. Quantos anos mais de vida útil é a pergunta grande depois dos 60”

 

PAVOR DE MÚSICA SERTANEJA

 

“Tenho certeza de que chutei a imagem de Nossa Senhora em vidas passadas. Ao mesmo bispo vai aqui mais sugestão do que reclamação. Seria interessante promover a excomunhão de quem produz, traz consigo e difunde essas duplas caipiras que falam da sofrência. Não é possível que haja tanta infidelidade conjugal no Brasil e em Portugal!”

 

BEBER ATÉ A ÚLTIMA GOTA

 

“Vamos trabalhar a questão hídrica durante a trilha de longo curso. Você está em situação de sobrevivência e tem de administrar o uso da água. Só porque encontrou fonte farta e limpa na natureza selvagem não deve jogar fora aquele líquido no fundo do cantil misturado com saliva do dia anterior. Beba o restinho e só depois reabasteça a garrafa. Tem de praticar a gratidão e pensar na saúde ambiental do planeta.”

 

AS BRASILEIRAS NÃO DURAM UM MANDATO

“Ainda caminhando sobre uma estrada romana de 2 mil anos, atravessamos três pontes de pedra em excelente estado de conservação. Espetáculo de engenharia.”

 

PRESSA MUITO GRANDE TE MATA DE PRESSÃO

“Começou a penitência de subir por uma estrada movimentada de carros e caminhões. Nos cruzamentos, motoristas apressados e impacientes com a rotina da manhã. Eles ainda vão perceber o papel estúpido que fazem ao perder tempo com pressa sem importância”.

 

MEIO AMBIENTE DE BUTIQUE

“Na entrada, as árvores pareciam te abraçar. O contrário dos ecologistas de fachada, que abraçam árvores para fazer bonito.”

 

ROUBADA À FLOR DA PELE

“Minha pele está machucada de sol e esqueci o protetor solar em algum lugar. Roubada adquirida com as próprias mãos. Todo castigo para displicente é pouco.”

 

O FRIO QUE VEM DE FORA

“O cobertor do albergue é curto. Você tem de decidir se socorre a orelha ou os pés. Da fresta da janela veio um vento como na canção do Lô Borges que a gente ouvia no começo dos anos 1980.”

 

NA VITRINE

“Eu estava tão cansado que parecia um bacalhau em porta de venda.”

 

A PRAGA DO NOME

“Há certas coisas que não como por causa do nome. Tapioca é uma delas. Outra é croissant.”

 

A ESPANHA É CAPITAL

“Madri me mata de tanta imaginação.”

 

APÓS VER TANTA PAISAGEM INSTAGRAMÁVEL…

“Tenho antipatia por rede social e sempre achei estranha a prática abusiva da gratidão.”

 

SORTE É ISSO

“Fui autorizado a usar o shampoo das australianas. As meninas estavam tomando banho juntas e não tenho nada com isso. O shampoo resolveu meu problema e aqui é só gratidão e luz.”

 

MALANDRO É MALANDRO E MANÉ É MANÉ

“Aloysio de Britto Vieira diz que todo dia acordam um malandro e um otário. Mesmo sem encontro agendado, vão se ver antes das 18 horas. Observei ontem a cena na Estação de Lisboa. Um mala vendendo perfume falsificado, supostamente feito com especiarias do Monte Atlas, no Marrocos, abordou três caras até que encontrou a vítima ideal. Um bicho meio alemão ou tcheco que de longe cheirava a baixeiro velho. Morreu em 12 euros. Esses malandros de estação de trem não se aproximam de mochileiro, pois têm em mente aquela frase do Barão de Itararé: ‘De onde menos se espera, daí é que não sai nada!’”

 

VÃO SE CATAR, PATRULHEIROS

“Houve certa revolta do pessoal por eu ter chamado criado-mudo de criado-mudo. Não vou mudar o nome de nada para fazer bonito ao politicamente correto.”

 

SEM RUÍDOS EXTERNOS

“Precisava da oportunidade de ficar sozinho. Deve receber o Prêmio Nobel da Paz quem inventou o fone de ouvido.”

 

INSS

“Sou tão cheio de sentimentos frustrados que nada é mais relevante do que a minha aposentadoria”. [Era fiscal estadual em Goiás]

 

PINTOU CLIMÃO

“Acho o mar a própria expressão da monotonia planetária. Como não acredito em aquecimento global, suponho que os oceanos vão congelar em nova era glacial rapidamente. É a única chance de o Brasil dar certo. O problema não está em Lula ou Bolsonaro. É o clima subdesenvolvido que atrapalha tudo.”

 

FOI MINHA AGONIA

Parar “de ouvir música depressiva do Oswaldo Montenegro” ajuda a curar rinite.

 

NEM TE VI

“Eu fazendo cara de Melo supurando a úlcera de antipatia”. [Melo é sua família, apesar de seu nome completo ser apenas Marcio Fernandes]

 

O&M

“No trem tive de colocar ordem na casa. Um casal estava no corredor de pé conversando bem ao meu lado. Eu com antipatia dobrada. Não se pode atrapalhar o fluxo de passageiros. Fiz aquela cara de antipatia dos Melo, e o casal tomou procedimento. Aqui tem organização e método. Siempre.”

 

EU, EU MESMO, SEM IRENE

“Viajar de mochila exige enorme capacidade instalada de improvisação. Nada está pronto e acabado. Não há receita de bolo. Você é um indivíduo jogado no mundo e só pode contar com sua habilidade de superar as roubadas.”

 

COPO DE PAPEL É MELHOR QUE SUCO DE DENTADURA

“Você comprou um vinho grande para tomar no quarto. Mas não há possibilidade de conseguir uma taça e sabe que aquele copo normalmente deixado na pia foi usado por alguém desconhecido para acomodar a escova de dentes ou mesmo uma dentadura. Não corra risco. Improvise. Vá até a cafeteria, peça alguma coisa e consiga dois copos de papel. É a melhor solução e você não vai ficar desguarnecido de vinho.”

 

CHINA IN TÓXICO

“Nunca contrarie o planejamento. Se a previsão do tempo é de chuva, saia para a rua com casaco impermeável. Se você tem certeza de que o restaurante chinês é porco e desqualificado, não coma frango xadrez com arroz sete delícias.”

 

CRIANÇA, SIM

“Como me disse Darcy Ribeiro em entrevista em 1992, no Brasil não há um porco abandonado.”

 

EURO NÃO AGUENTA DESAFORO

“Troco é algo fundamental no manejo de coisas triviais em viagem pela Europa. Trate o euro com respeito e carinho. Jamais, jamais, jamais embole essa moeda preciosa no bolso dianteiro da calça. Aquela situação em que o dinheiro em papel assimila teu suor e vira um ser gosmento com cara de nota de 5 reais de rodoviária.”

 

PREFIRO ITAPIRA A BRASÍLIA

“Não gosto de Brasília. Tenho medo de um político bater minha carteira. Podemos combinar uma cúpula de alto nível em Itapirapuã, Goiás. Espetáculo de cidade. Terra do artista plástico Dacruz.”

 

O ACASO QUE BALANÇOU O BERÇO

“Madrid é sensacional. Abriga três pinacotecas maravilhosas. A melhor delas e com menos turistas é o museu Thyssen-Bornemizsa. A capital da Espanha tem ambiente cosmopolita. Restaurantes do mundo inteiro, especialmente do Principado das Astúrias. Deveria ter nascido lá.”

 

DORMIR EM CÁPSULAS DE NUVENS

“O albergue é a última palavra em hospedagem na Europa. A cama é em cápsula. Você entra dentro da coisa e se sente nas galáxias. Individualidade total e todos os recursos de luz, conforto e segurança como se estivesse em nave espacial. Já conhecia essa sistemática de passada por Utrecht, Holanda. Dormi na lua, visitei Marte, mandei positivo para várias constelações em sono profundo. Só elogios.”

 

O QUE FAZER EM MADRI

“Sem nenhuma modéstia, conheço Madri. Sei onde comer a melhor trufa de chocolate da cidade. Posso indicar os melhores mercados para almoço qualiquanti a baixo custo. Os grandes roteiros para viajar na onda da cidade de bicicleta. Sei onde comprar cartazes antigos e posso indicar livrarias de vanguarda. Posso passar orientação sobre lugares não recomendados onde há drogados e raparigas da Ucrânia chefiadas pela máfia russa. Conheço sensacionais biroscas de generosas tapas e som ao vivo de rock da melhor qualidade.”

 

JUDEUS USAVAM PARA PURIFICAÇÃO, IGREJA TOMOU PARA INQUISIÇÃO

“Foi surpreendente quando a recepcionista fez a descrição do edifício do Século 15. O casarão foi moradia de família judaica e, depois de ser expropriado pela santa Igreja Católica, se tornou o centro oficial da Inquisição Espanhola em Zamora. Não é por nada não, mas meu quarto fica ao lado da única área de banho da Espanha, totalmente conservada, que os judeus utilizavam para purificação. Ganhei o dia.”

 

10 LIÇÕES DE UM EX-COMUNISTA NA TERRA DE STALIN

 

I – “Estou na terra de Josef Stalin. Meu Deus, como a Geórgia de gente tão doce pode ter dado berço para um sujeito tão parvo? Ex-República da falecida União Soviética, que eu tanto venerei no passado por conta de avô e pai marxistas, por aqui foram varridos para o entulho da história quaisquer sinais da dominação stalinista. Até os edifícios do horrendo realismo socialista estão em estado de esquecimento.”

 

II – “A Geórgia é um país absolutamente lindo, que hoje tem orgulho da liberdade e de ter legado ao planeta a descoberta do vinho.”

 

IV – “Quer tomar um café turco preparado no aquecimento de areia? Aqui tem. Quer mirar o horizonte de neve que não morre inclusive na 104 A Fila Anda chegada do verão? É longe, mas pode contar com isso também. Quer vinhos deliciosos de 8 mil anos de tradição? Venha para cá. Se quiser, pode chamar a Geórgia de Pasárgada.”

 

V – “Na saída do Monastério de Motsameta [em Kutaisi, na Geórgia], ganhei meu dia ao ser abordado por um grupo de pré-adolescentes fascinados pela Seleção Brasileira. Sabiam tudo de Pelé, Romário, Ronaldinho etc. Na saída, acenei para a galerinha do carro e eles sentiram o máximo por terem descolado um amigo do Brasil.”

 

VI – “Estava muito bem instalado em cabine, a apreciar da janela os ares purificantes da Cordilheira do Cáucaso, entre o Mar Negro e o Mar Cáspio.”

 

VII – “Ninguém quer saber de ter a medalha do Stalin. Pega mal, Marcinho. Traga a do Lenin. Como assim? Mas foi ele quem ganhou a Batalha de Stalingrado. Foi ele quem dobrou o aço das imbatíveis Divisões Panzer na Batalha de Kursk. Foi ele quem moeu a raça ariana da Wehrmacht até o portão de Brandemburgo.”

 

VIII – “Aqui ninguém se vira em portuñol. Não tem puedo, quiero, venga. O georgiano você não entende, não fala, não lê, não escreve, não faz um ó com o fundo do copo. Então, como negociar com vendedor de tapetes?.”

 

IX – “A figura que confere o bilhete do trem [na Armênia] me pediu duas vezes para mostrar a passagem e o passaporte. Ela tomou antipatia de mim à primeira vista. A senhora, com respiração de enfisematosa, leu o documento, mexeu daqui, mexeu de lá, fechou a cara, pôs a mão no queixo, pensativa, deu uma olhada para meu escurismo e nada de elaborar um relatório conclusivo sobre minha situação. Ela não sabia o que era Brasil e foi inútil minha tentativa de esclarecer os fatos. Seria um ananás geneticamente modificado? Seria um cigarro do Paraguai? Seria uma marca nova de Rivotril? A pergunta que não quis se calar na tripulante do trem foi o que é Brasil.”

 

X – “Apaguei com meio comprimido de Zolpidem, mas durou pouco. Um oficial da imigração do lado armênio me puxou pelo pé e acordei apurado. A verificação do passaporte é feita dentro do trem. Então começou o interrogatório de uma pergunta só. Brazilien? Yes! Brazilien? Sí! Brazilien! Oui! Brazilien? Caraca! Yes, sí, oui! I’m Brazilien from Santa Cruz de la Sierra. Meio desconfiado, o policial mandou o carimbo com passaporte apoiado na perna. Típico serviço feito nas coxas”.

 

POR QUE NOÉ SALVOU CÃES, COBRAS E MURIÇOCAS?

 

Depois da Geórgia, Marcio Fernandes visitou a Armênia. Achou algo que presta na capital, Yerevan: “Está longe de ser uma cidade linda, mas tem algo que nenhuma capital do mundo possui, a visão panorâmica do Monte Ararat, onde Noé deixou sua arca. Apesar de ser historicamente armênia, a montanha encontra-se ocupada pela Turquia”. Teve uma audiência a sós com o homem que nos salvou do dilúvio. Leia a engraçadíssima “Conversa particular com Noé aos pés eo Monte Ararat”:

 

“Tá certo que você fez excelente trabalho ao construir a providencial arca e salvar a bicharada do dilúvio. Agora, tem por aqui e em todos lugares uns bichos indesejados, prejudiciais ao ser humano. Cachorros. Meu Deus. Não precisava tê-los socorrido na arca. Devem ter latido à beça, não dado sossego aos presentes e mordido os seus poucos familiares e amigos que pegaram a barca da salvação. É uma crítica mais para construtiva. Répteis. Por que descolar um lugar na arca para serpentes peçonhentas? É um animal que só causa problemas e ainda tem as cobras-criadas do Centrão em Brasília. Seria um serviço a menos pro pessoal do Instituto Butantã e um alívio ao bolso dos pagadores de impostos. Vamos falar dos pernilongos. Não precisava dar teto na arca para este ser que não tem utilidade biológica a não ser causar processo alérgico e tirar o sono”

 

 

A IMAGEM MAIS LINDA DO MUNDO QUANDO O SOL SE PÕE SOBRE AS DOLOMITAS

 

“Meu Deus! Eu poderia ir embora agora junto com o pôr do sol que joga suas últimas luzes sobre a majestade das Dolomitas não fosse o tanto que ainda tenho de viver nestas montanhas. Do sopé do Monte Pelmo meu coração pouco se importa com o vento gelado que vem do sul, pois há pelo menos um segundo de mim que vai ficar na eternidade dos mais de 250 milhões de anos da Cordilheira Alpina.

 

Hoje eu estou com tudo que amo e recebo das montanhas um ar de conforto amplo como se estivesse no ventre da mais pura criação. Neste lindo ambiente de picos extremos, eu envio todos os caros sentimentos para os ares distantes em agradecimento aos grandes amores que moram nos meus horizontes.

 

Não é hora de avaliar perdas nem de lamentar os enganos. Agora tudo o que me vem são os grandes sonhos que me mantêm cada dia mais forte e vivo para superar a montanha que me espera amanhã e nos anos que me restam.

 

Eu demorei muito para perceber o quanto Deus foi generoso comigo até na paciência de esperar para eu venerá-lo. Por outro lado, não tem essa de tempo perdido, pois ele sempre esteve comigo, inclusive nesta sopa que agora me esquenta e na oportunidade de ter encontrado abrigo no Refúgio Venezia, algo praticamente impossível.”

 

Peça o livro pelo whatsapp 62 999734246
R$ 50,00.

Avatar

Este post foi escrito por: Britz Lopes

As opiniões emitidas nos textos dos colaboradores não refletem necessariamente, a opinião da revista eletrônica.

Deixe uma resposta