sábado, 27 de julho de 2024

Uma mulher chamada Golda Meir

 

O filme Golda – A Mulher de uma Nação, que traz a atriz britânica Helen Mirren, vencedora do Oscar por A Rainha (2006), irreconhecível no papel da ex-primeira-ministra israelense Golda Meir, estreia hoje no Brasil. A cinebiografia se concentra nos eventos reais ocorridos durante a tensa Guerra do Yom Kippur em 1973. O longa, do diretor Guy Nattiv, mostra Meir no comando de Israel durante o conflito, quando o país foi surpreendido por um ataque de Egito, Síria e outros países do Oriente Médio. A trama retrata a líder israelense em meio ao desenrolar do conflito e a montagem de uma defesa antes que os exércitos do Egito e da Síria chegassem a Tel Aviv, na costa oeste do país.

 

Golda Meir foi uma política judia que se tornou a quarta pessoa a ocupar o cargo de Primeiro-Ministro, no quinto mandato do Estado de Israel. Era também conhecida por ser a primeira mulher a se tornar Primeira-Ministra do estado judeu, cargo que ocupou entre 1968-1974. Apesar da sua imagem de mulher determinada, sempre firme e forte, obstinada nas suas opiniões e decisões, ela assumiu aquela responsabilidade mais com a emoção do que com a razão.

 

Durante seus 80 anos, não houve um só momento de tédio na vida de Golda, nascida em Kiev, na Rússia imperial. Foi na qualidade de chanceler que ela veio ao Brasil, em 1959, sendo recebida, com todas as honras, pelo presidente Juscelino Kubitschek. Sobre esta viagem, ela escreveu: “Sentia especial carinho pelo Brasil já que, entre outras coisas, foi o ilustre brasileiro Oswaldo Aranha quem presidiu a sessão de 29 de novembro da ONU, que decidiu pela partilha da antiga Palestina. Fiquei sensibilizada pela calorosa e festiva acolhida e muito impressionada como fui recepcionada em Brasília e São Paulo. Ao assistir a uma sessão do Congresso brasileiro, ouvi, encantada, o senador Hamilton Nogueira saudar-me, não em português, mas no mais genuíno e fluente hebraico”.

 

De tudo que aconteceu em sua vida, repleta de turbulências, há momentos emblemáticos, como os encontros secretos com o rei Abdullah, da Transjordânia, a temporada como embaixadora em Moscou, o difícil papel desempenhado na guerra do Yom Kipur e a reação ao massacre nas Olimpíadas de Munique, em 1972.

 

Durante os seis meses que antecederam a criação de Israel, Golda foi incumbida de se encontrar com o rei Abdullah, da Jordânia, na tentativa de evitar o conflito armado. Eles se reuniram pela primeira vez em novembro de 1947. O encontro teve lugar em uma usina elétrica localizada em Naharaym, às margens do rio Jordão. Ela recordou: “Bebemos as costumeiras xícaras de café e depois começamos a falar. Não tardou a ir direto ao assunto; ele não se associaria a qualquer ataque árabe contra nós. Disse que permaneceria sempre nosso amigo e que, como nós, queria a paz acima de tudo. Sugeriu ainda que voltássemos a nos encontrar após a votação nas Nações Unidas”.

 

 

No dia 10 de maio, quatro dias antes da proclamação da independência, Ben Gurion e Golda chegaram à conclusão de que valeria a pena tentar uma segunda conversa com o soberano. Golda nunca esqueceu que se encontrou com rei, que estava pálido e gaguejante. No decorrer de uma hora de conversa, Abdullah disse que não mais poderia manter a palavra empenhada porque antes estava agindo por conta própria, mas agora era um entre cinco, sendo Egito, Síria, Líbano e Iraque os outros quatro.

 

O rei perguntou: “Por que estão com tanta pressa para proclamar seu estado?” Golda respondeu: “Quem já está esperando há dois mil anos, certamente ignora o que seja pressa”. Em seguida, insistiu: “Vossa Majestade não compreende que nós somos seus únicos aliados nesta região? Se formos forçados à guerra, lutaremos e venceremos”. Ele respondeu: “Vocês têm o dever de lutar. Mas por que não esperam alguns anos? Desistam de suas exigências de livre imigração. Eu assumirei o controle de todo o país e vocês serão representados no meu parlamento”.

 

Em face dessa proposta inviável, Golda e Ben se despediram e voltaram a Tel Aviv, viagem que correspondeu a um filme de terror. O motorista jordaniano ficava apavorado cada vez que o carro era parado por sucessivos postos de controle da Legião Árabe. Por isso, mandou que os dois saltassem a uma longa distância da usina elétrica. Já passava das duas da manhã e eles tiveram que caminhar no escuro sem saber se estavam na direção certa.

 

Finalmente, um jovem que os esperava, localizou-os perto da usina. “No escuro não pude ver seu rosto, mas creio que jamais segurei a mão de alguém tão firmemente e com tanto alívio”. No dia 20 de julho de 1951, Abdullah foi assassinado em Jerusalém, durante uma visita à mesquita de Al Aqsa, provavelmente a mando do Mufti de Jerusalém, desconfiado de que ele tramava uma paz em separado com Israel.

 

Golda Meir estava em Nova York, numa bem-sucedida viagem para arrecadar fundos, quando recebeu um telegrama de Moshe Sharret, então ministro das Relações Exteriores, informando-a de que seria embaixadora em Moscou. Seu filho Menahem, que a acompanhava, descreveu sua reação inicial: “Ela se sentiu assolada por dúvidas. Estava insegura quanto à competência para assumir aquele posto. As únicas recordações que tinha da Rússia eram a pobreza, os pogroms, os mendigos e os cossacos. Também não se lembrava do idioma russo e não falava francês, a língua diplomática daquela época”. Perguntou ao filho: “O que será que eu poderei fazer como ministra plenipotenciária?” E emendou rindo: “Que título mais pomposo!” Contudo, sentiu-se aliviada quando Sharret permitiu que a filha Sarah e o genro Zacharia se integrassem à delegação que serviria na União Soviética.

 

Golda desembarcou em Moscou no dia 3 de setembro de 1948, onde a aguardava a equipe da embaixada. Chovia e fazia frio. Os recém-chegados foram instalados em um hotel somente para estrangeiros, numa luxuosa suite com sala e dois quartos que continha um piano de cauda. Mas, ao receber a conta da primeira semana, a embaixadora ficou atordoada. O orçamento que levara era modesto e o custo de vida muito alto. Decidiu, então, que ela, a filha, o genro e a secretária, Lou Kaddar, ali viveriam como se estivessem num kibutz. Comprou dois fogareiros e ela mesma providenciaria o café da manhã e o jantar. Refeição no restaurante do hotel, somente uma vez por dia.

 

Helen Mirren no papel de Golda Meir

 

Depois da cerimônia oficial da apresentação de credenciais, Golda estava ansiosa para manter contatos com judeus e, para isso, pretendia logo visitar uma sinagoga. No primeiro sábado, depois da apresentação das credenciais, a delegação israelense foi a pé até a grande sinagoga de Moscou. Os homens levavam seus talitim (xales de orações) e as mulheres os sidurim (livros de rezas). Ao fim do serviço do shabat, o rabino Schliefer recitou uma bênção para os dirigentes soviéticos e outra especialmente para Golda, sentada acima, na galeria das mulheres. “Ao ser mencionado o meu nome, a congregação se virou para me olhar como se quisesse memorizar meu rosto. Ninguém disse nada. Ficaram só olhando, olhando”.

 

Algumas semanas depois viria o Rosh Hashaná (Ano Novo Judaico). Na véspera, o jornal oficial Pravda publicou um artigo assinado pelo consagrado escritor judeu, Ilya Ehrenburg, no qual escreveu que o Estado de Israel nada tem a ver com os judeus da União Soviética. Em vez dos dois mil judeus que habitualmente iam à sinagoga nas Grandes Festas, havia cerca de 50 mil pessoas. Golda foi rodeada, quase esmagada e ouvia seu nome sendo exclamado. Já dentro da sinagoga, na galeria das mulheres, algumas se aproximavam dela, tocavam sua mão, tocavam seu vestido e até o beijavam. “Terminado o serviço religioso, levantei-me para sair, mas mal pude caminhar. Sentia-me como que presa numa torrente de amor tão forte que me ofegou a respiração.

 

Dez dias depois, no Yom Kipur (Dia do Perdão), milhares de judeus encheram novamente a sinagoga, porém a polícia avisou a Golda que ela só se retirasse depois de todos, para evitar o tumulto ocorrido dias antes.

 

Em janeiro do ano seguinte, os judeus soviéticos pagariam caro por aquelas manifestações que despertaram a fúria de Stalin. Como era possível que mais de 30 anos depois da implantação do regime bolchevique os judeus sentissem afinidade com uma terra que nem conheciam? O jornal em íidiche e o teatro íidiche de Moscou tiveram as portas fechadas. Escritores e intelectuais judeus, acusados de cosmopolitismo e traição, se viram levados a tribunais com sentenças fixadas antes dos julgamentos e foram executados. Depois foi a vez de uma dúzia de médicos judeus, acusados de um suposto complô para matar o ditador, que também foram assassinados.

 

Outro momento crucial na vida de Golda Meir foi o referente ao massacre dos atletas israelenses nos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972, quando ela já era primeira-ministra. Eram cinco e meia da manhã do dia 7 de setembro daquele ano quando foi acordada e informada sobre os trágicos acontecimentos na Alemanha. Às 9 horas, numa reunião de emergência do gabinete, soube-se que Moshe Weinberg, treinador da equipe de luta-livre, tinha sido morto por terroristas árabes.

 

Nove atletas eram mantidos como reféns em seus aposentos da vila olímpica e o grupo Setembro Negro assumira a responsabilidade pelo atentado. A exigência era que Israel libertasse mais de duzentos prisioneiros em troca dos reféns. Apoiada pelo gabinete, Golda mandou um comunicado às autoridades da Alemanha Ocidental informando que o governo de Israel não negociaria com terroristas, mas que Israel aceitaria que eles ganhassem a liberdade se o mesmo acontecesse com os atletas e que dava um voto de confiança às autoridades alemãs no sentido de que tudo fosse feito para garantir as vidas dos reféns.

 

Na manhã do dia 12 de setembro, o Knesset (parlamento) se reuniu para homenagear os onze israelenses assassinados e, em seguida, Golda recebeu as famílias dos atletas em sua sala. Golda disse em tom solene: “Quero partilhar meus planos com vocês. Decidi que vamos caçar cada um dos terroristas. Ninguém envolvido neste massacre andará impune por muito tempo na face da terra”.

 

No dia seguinte, Golda fez um discurso perante o Knesset: “A história nos ensinou que quando há violência contra os judeus, há perigo de violência para todos os povos e nações. Não temos outra opção a não ser atacar as organizações terroristas onde quer que se encontrem”. As palavras de Golda se concretizaram nas ações de um grupo ultra-secreto, chamado Caesarea, cuja existência era ignorada até por membros do governo. Novamente perante o parlamento, Golda deu apenas a entender o que aconteceria: “Onde haja uma conspiração, onde haja gente planejando matar judeus e israelenses, é contra eles que faremos nosso ataque”.

 

A partir de 1973, Golda Meir passou a se referir à guerra do Yom Kipur como “uma quase catástrofe, um pesadelo pelo qual passei e que sempre estará comigo”. Foi, de fato, o maior perigo que Israel enfrentou enquanto celebrava 25 anos de sua independência. Em maio, o governo israelense recebeu informações sobre o reforço de tropas sírias e egípcias nas fronteiras. A primeira-ministra convocou uma reunião de urgência com os chefes militares, da qual saiu convencida de que Israel estava pronto para qualquer eventualidade, inclusive uma guerra de grandes proporções.

 

No dia seguinte, Golda foi para sua casa em Ramat Aviv, perto de Tel Aviv, e na sexta-feira, véspera do Yom Kipur, recebeu uma informação preocupante. As famílias dos conselheiros soviéticos estacionados na Síria estavam fazendo as malas e deixando o país, às pressas. Mas, autoridades israelenses garantiram-lhe que ela seria avisada a tempo se algo sério viesse a ocorrer. Mesmo assim, valendo-se de sua experiência e intuição, Golda sentia que a situação não era tranqüila e a debandada dos russos da Síria não lhe saía do pensamento. E anotou: “Como podia eu estar ainda aterrorizada com a eclosão de uma guerra se o chefe do Estado-Maior, dois de seus antecessores, Dayan e Bar Lev, e o chefe do serviço secreto estavam despreocupados?”

 

Golda escreveu em sua autobiografia: “Naquela sexta-feira de manhã eu deveria ter dado ouvidos às advertências do meu próprio coração e ordenado uma convocação. Não importa o que ditava a lógica. Só importa que eu, tão acostumada a tomar decisões – e que as tomei durante todo o decorrer da guerra – deixei de tomar a mais importante. Não é uma questão de me sentir culpada. Seria uma insensatez insistir na convocação quando as avaliações dos nossos mais destacados militares diziam o contrário. Mas, sei que deveria tê-lo feito e viverei com essa terrível convicção pelo resto da minha vida. Jamais voltarei a ser a pessoa que fui antes da Guerra do Yom Kipur”.

 

No sábado, os egípcios atravessaram o canal de Suez na direção de Israel, ultrapassando com facilidade a controvertida Linha Bar Lev, que deveria ser um posto avançado de defesa do território. A Síria desferiu um violento ataque de tanques e artilharia no Golã. No décimo dia da guerra o exército de Israel atravessou o canal e ocupou a estrada rumo ao Cairo. Ao norte, os sírios estavam sendo contidos. No dia 22 de outubro houve o cessar-fogo que permitiu a Israel uma posição de vantagem sobre seus inimigos. Ao fim das hostilidades, uma comissão de juízes incumbida de investigar as falhas ocorridas antes da Guerra do Yom Kipur, concluiu que em nenhum momento, sob nenhuma hipótese, qualquer culpa poderia ser atribuída à primeira-ministra.

 

 

No dia 4 de junho de 1974, Golda Meir deixou seu cargo e anotou que via com alegria a ascensão ao posto do sabra Yitzhak Rabin, nascido na antiga Palestina, em 1921, o mesmo ano em que ela desembarcara com o marido no porto de Jaffa.

 

 

Após deixar o governo, a saúde de Golda foi-se deteriorando e a vencedora de tantas batalhas cedeu ao câncer. Seu filho escreveu: “O quarto de minha mãe no hospital, em Jerusalém, nada tinha de sombrio. Pelo contrário. Estava sempre cheio de gente: a família e dezenas de amigos. Mensagens por sua recuperação chegavam de todos os continentes. Ela perdeu a consciência às 4h30 do dia 7 de dezembro de 1978. A última pessoa a falar com ela foi meu filho do meio, Danny, que lhe contou sobre a boa nota que tinha tirado na escola. Ela não conseguiu responder, mas seus olhos se abriram e brilharam intensamente”.

 

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Este post foi escrito por: Britz Lopes

As opiniões emitidas nos textos dos colaboradores não refletem necessariamente, a opinião da revista eletrônica.

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