sexta-feira, 26 de julho de 2024

Viagem pela arte sem dono

 

Marcio Fernandes – A arte que anda nas ruas, sem dono, é alguma coisa fascinante ora pela mensagem escrita ora pelo poder do desenho. As duas coisas coladas nas paredes das cidades são um diferencial para quem passa indiferente por esta arte antiga, universal, inteligente, ainda que muitas vezes engajada. Isto não importa. O importante é ela ser desenhada, escrita e colada na parede. Feita de papel.

 

Nos muros, ela se expressa especialmente na manutenção do cartaz lambe-lambe como meio de comunicação, hoje não mais essencial. Para observá-la, é preciso andar pelas ruas. Não dá para fazer de veículo de aplicativo, pois ela pode estar em uma simples placa a indicar que você está na Calle de Las Lindas de um pueblo estremenho ou no Pinocchio aprisionado em uma janela no dia de inverno do outro lado da Espanha.

 

As telas urbanas estão dispostas em muitas formas. Podem se expressar na composição gráfica de um cartaz sofisticado que ironicamente te dá boas-vindas para festa com os maiores ditadores do comunismo em uma Varsóvia infeliz com o passado.

 

Passam pelo aviso em português do Brasil que não tem “baguncã” na “Banca da Amizade” em favela de Fortaleza. É singela e triste como cartaz de poeta do Porto que anda confusa ao dizer que “… a vida dá, a vida remove…

 

A arte de rua, além de não ter dono, de alguma forma te comove. Ao encontrar os temas que não podem ser comentados, a arte de rua te choca. Para quem tem vergonha na cara, ela te envergonha. Para quem gosta de uma ótima fotografia é só segui-la pelas ruas que você vai acabar se encontrando com o Eça de Queirós. Ele foi precioso ao descrever o loroteiro proeminente projetado em uma sociedade cartorial.

 

Na Banca da Amizade não tem bagunça. Tudo bem, o problema é saber o que se passa nesta organizada banca em favela colorida de Fortaleza

 

A ojeriza do povo polonês ao domínio da ex-União Soviética se expressa ironicamente em convite para festa com Marx, Lênin, Stalin, Mao e Fidel. Que tal?

 

 

Em café literário de Barcelona, John Lennon te olha nos olhos de olho na cesta de croissant e meio desconfiado se o pessoal está dando uma chance para a paz

 

 

Na parede destinada ao sofrimento, cartaz mostra todas as dores do mundo em uma expressão arrancada de quem não tem mais nada

 

 

 O que será que fez Pinocchio para merecer a prisão solitária numa janela naquele dia muito frio em cidade consagrada Patrimônio da Humanidade?

 

 

Para a decepção das maranhenses arrumadas na porta da igreja, o padre mandou avisar que hoje não haverá missa 

 

 

Piranhe-se! Você tem todo o direito de fazer o que o que quiser com o seu corpo e rigorosamente ninguém tem nada a ver com isso

 

 

Deus está em todo lugar e não poderia faltar em um muro a abençoar com toda sua sabedoria os que procuram as mãos da bondade eterna

 

 

Quase morri de tristeza com a revelação desta poeta portuguesa, que não sei o nome, ao escrever frase sobre os corações partidos

 

A arte sem dono só poderia ser consagrada em azulejo com assinatura da imagem de Eça de Queirós, o cara que fez o quis com a língua portuguesa

 

Texto e fotos: Marcio Fernandes

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Este post foi escrito por: Marcio Fernandes

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1 comentários em "Viagem pela arte sem dono"

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